Bicho da goiaba

Ninguém percebe, mas certos momentos na nossa vida são incrivelmente irônicos e eles começam mais cedo do que imaginamos. Apaixonar-se pela primeira vez faz a ironia perdurar por anos a fio, sem contar que é extremamente patético quando esta passa praticamente desapercebida aos olhos dos destreinados. E dos treinados também. Mas voltando à vaca fria, por que um primeiro amor é mais irônico do que aparenta? Porque você se apaixona pelo colega de classe mais bonitinho que tem no auge da sua infância, e aquela apaixonite platônica segue até o início de uma perturbada adolescência. Acontece alguma coisa que faz você perceber que o menino mais bonitinho não é assim tão bonitinho, que ele não é tão tudo como você fantasiou na sua cabecinha de girino e aí a coisa aperta.

Não, não é bem aí. Quando a confiança é depositada na pessoa errada, é quase igual à uma bexiga cheia aguentando o dobro do limite de cerveja combinado com um zíper que não abre. Aem contar o ataque de riso por causa do maldito faichecler que resolve não descer quando deve. Isso é quase uma Lei de Murphy disfarçada, confiar nas pessoas erradas e estas falam seu segredos justamente para a pessoa que não deveria ter conhecimento dos mesmos. Aí fede tudo, só não fode porque a coisa não pode ser tão explícita assim. E então você nota que o cara - até você se dar conta da burrada que fez em confiar em quem não merecia, deu tempo de ele crescer e os hormônios começarem a mostrar seus poderes externamente - não é aquele tudo que você voltou a achar que ele era, e começa a dar razão para sua mãe quando ela dizia que ele era parecido com um bicho da goiaba. Então o tempo passa, como sempre.

As primaveras passam e o número nas velinhas do bolo só tende a aumentar.Seria legal se diminuíssem e o cara continuasse a ser aquele menininho meigo que ficou chateado por você ter rasgado o convite do aniversário dele na frente dele, quando ambos tinham onze anos. Ainda assim, ele foi legal com você na festa e até o pai da criatura te tirou pra dançar. E apesar dos acontecidos no passado, as lembranças do bicho da goiaba são carinhosas e você começa a notar bem devagarinho que era feliz e não sabia. O tal bicho apodrece e a vida continua. e continua... Num determinado dia, você se depara com a tecnologia andando a seu favor quando não precisa mais disso. E todo aquele rebaixamento que sentiu quando ele descobriu da sua paixãozinha secreta por ele vem à tona, fazendo uma mistura de adrenalina e pânico verterem nas veias. O rumo que a conversa toma é diferente, vocês falam sobre como anda a vida e o que andam fazendo. Quase que uma filosofia e ele aparenta ser incrivelmente esperto para a idade que tem.

Ele parece ser o menino de cinco anos legal que você fantasiou quando tinha a mesma idade e que mesmo com espinhas no rosto e cabelo seco, continua sendo o cara dos seus sonhos. E bate aquele nervoso gostoso também, de finalmente ser forte o suficiente para quebrar a barreira do medo e trocar algumas palavras depois de quase nove anos. Minha nossa, e quando ele diz que lembra de você? Quase dá pra gozar!... Então a ironia toma forma e entra em ação: a falta de personalidade, de bom senso e de maturidade (já que na sua cabeça ele ainda tem cinco anos) começa a pesar, aí você lê a desculpa mais esfarrapada da sua vida quando pergunta porque ele não gosta de rock 'n roll: "eu jogo futebol, então sou pagodeiro".

Isso foi a gota d'água, sério. O zíper finalmente abre e você sente um alívio por não ter perdido dez anos da sua vida gostando de um cara de 20 anos que acredita em estereótipos e que tem uma mentalidade inferior ao seu primo que é seis anos mais novo que ele. Uma ironia deveras bombástica pois, de fato, você passou oito anos gostando desse jumento e ele realmente é bem nenos esperto que seu primo de doze anos: ao invés de pegar o dinheiro do trabalho pra pagar a faculdade, faz o pai pagar. Este não aguenta e o animal resolve trancar a matrícula e vai fazer cursinho pra ver se passa em outra porcaria qualquer de faculdade federal. E o jogo vira, pois as melhores cartas estão na sua mão e você tem o poder de fazer exatamente o que ele fez um dia: ignorar completamente sua existência. Então você abre o MSN, clica no apelido dele com o botão direito do mouse, vai em "excluir contato" e pra finalizar, marca a caixinha para bloqueá-lo. Pra deixar a situação um tanto quanto sarcástica, seu coraçãozinho sente pena quando relembra que ele disse que lembrou de você, sinal que fez parte da vida dele assim como ele fez da sua e não sabia. Ironias da vida, ainda bem que foi meio e não inteiro.

E tudo isso por causa do maldito rock 'n roll.


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